A primeira vez foi numa noite comum, dessas de vento lá fora, com os cachorros latidos para as visagens. Começou com uma tosse, depois a falta de ar. Logo a notícia se espalhou, e todo povoado correu para a casa simples, coberta de palha, com uma porta e duas janelas na frente: A velha Valeriana Pilá estava morrendo!
– Até a frieza já lhe corre por dentro. O sangue tá indo embora, evaporando por todos os poros – Jurou o pescador Miraflores, pedindo que lhe trouxesse um espelho. Assim que o recebeu, botou em frente às narinas da velha, e decretou – Não to dizendo, até a respiração parou.
– Mas o que ela faz de olho aberto? – Observou o bêbado Custódio, incomodado por um soluço que não passava, desde a hora que soube da notícia.
– Pode até tá aberto, mas não tá vendo mais nada deste mundo, meu filho – Assegurou Sibá, a mais velha do lugar – Talvez já esteja vendo do outro lado.
E na hora em que a madruga avança, e que todo doente se cansa, quando a morte vem junto com a frieza, Valeriana Pilá tossiu e foi melhorando. Quando o dia chegou, a velha já estava bem, tomando seu café na mesa, para o espanto de todo mundo.Duzentas e sessenta semana depois, todo o povoado voltou a se reunir, diante da mesma notícia que a velha Valeriana Pilá se despedia. ´
– Põe uma vela na mão, porque ela vai precisar na outra vida – Lembrou Custódio, incomodado pelo mesmo soluço que há anos não sentia. E assim que acabou a primeira vela, colocaram a segunda, e depois dela a terceira, a quarta, a quinta… E só não botaram a décima, porque o dia nasceu. A velha Valeriana tossiu, assim que a claridade tropeçou no batente, e dessa hora em diante foi melhorando.
Da última vez em que correram para a casa dela, Custódio só não soluçou porque já havia morrido, e Miraflores também. Quando vieram trazer a notícia para Sibá, enrolada na rede, embrulhada nas idades, ele soltou um muxoxo. Pediu um pouco de água e sentada na varanda abriu um sorriso. Tateou o lenço fino, quase feito de memória, e disse:
– Não se preocupem, façam vigília, porque tem que ser feita, mas não é hoje que a velha Pilá vai partir. A neta com a água na mão não entendeu bem. Observou a brancura dos cabelos da avó, derramada também pelos olhos e indagou:
– Como assim, vó. Já botaram até vela na mão dela! Por isso que vim lhe chamar.
– Diga que não estou me sentindo bem. Vá, minha florzinha. Eu sei o que estou dizendo, antes dela vamos todos nós. Pilá desaprendeu a morrer.
O dia mal havia nascido, a neta voltou sorrindo e feliz, trazendo Valeriana Pilá pelos braços, que assim que melhorou, se preocupou, ao saber que Sibá estava bem.

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