O ESCRAVO NICOLAU E A EXPEDIÇÃO AO AXUÍ

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“É agora ou nunca!” – Pensou Nicolau ao ver a tropa se distanciando um pouco, obedecendo ao seu pedido. Só após observar os soldados retirando as armas dos ombros e as pesadas e molhadas botas dos pés, depois de um dia de caminhada, foi que embrenhou-se na mata. Viu a lua crescida lá no alto e relembrou do primeiro dia em que esteve preso na capital São Luís, quando chamou o guarda que vigiava a cela:

 
– Por caridade, traga um pouco de água para esta pobre alma – Após um demorado silêncio sem respostas, voltou a pedir – Sei que o senhor é autoridade, e que meu pedido é fora de hora. Mas sede e caganeira é coisa que não sabe esperar!

Nunca soube o que passara na cabeça do guarda ao ouvi-lo, mas o homem se aproximou com as chaves batendo umas às outras, na cintura. Pigarreou, como que buscando o tom grave e amedrontador da voz, e o advertiu, enquanto ajeitava o cinto folgado:

– Não vai te acostumando, que preso aqui não tem voz nem vez. Bebe só o tanto de água que for colocado na tua cuia. Se acabar antes da hora, é desleixo teu. Ainda mais tu que é preto, escravo fugido. Tu bem sabe que se o teu senhor, o Tenente-Coronel João Paulo Carneiro, te achasse antes da gente, ou tu estava morto ou no tronco sendo surrado. Vamos! Pega a tua cuia, que vou te salvar por hoje – E vindo com um caneco cheio de água, que havia tirado do pote ao lado da cela, derramou um pouco na cuia que Nicolau, agradecido, segurava.

– Sua alma é boa. Merece todas as riquezas do Axuí.


– Axuí? Nunca ouvi falar – Disse o guarda espantado, enquanto recolocava o caneco, enfiado na armação de madeira sobre o pote. Depois voltou querendo saber – E que riquezas são essas?


– Não é só tu que nunca ouviu falar, é quase todo mundo. Porque que eu lembre, da gente que anda por aqui pela capital, só estes dois olhos aqui viram. Axuí é um lugar habitado por negros, onde o ouro e a prata brotam do chão, feito capim. Até topada pode revelar uma pepita ou uma mina inteira, depende da sorte do dono e do pé. Lá até as cuias são de ouro, que dirá a santa padroeira, Nossa Senhora da Conceição. Tenho até pensando se digo ou não esta notícia ao governador, como pedido de desculpas por ter fugido da fazenda do meu senhor.


– Pois se eu fosse tu eu já tinha dito. Ainda mais na tua situação. Pelo que ouvi, não vão demorar a te mandar de volta para a fazenda.


– Então, vamos fazer um trato. Tu vai dizer que eu pessoalmente quero lhe contar o que estes olhos viram sobre Axuí. Depois tento convencer o governador para arrumar uma expedição que eu mesmo vou guiar. E tu sabe quem vai receber a maior pepita de ouro, assim que retornar, né? – E vendo que o guarda sorria com olhos cheios de esperança, brilhando na escuridão, arrematou – Não se faça de desentendido: Tu mesmo, homem de sorte!


Logo nas primeiras horas da manhã do dia seguinte, vieram lhe buscar. Nicolau foi andando pelas ruas, ainda algemado, mas após ter contado tudo sobre Axuí ao governador D. Fernando Antônio de Noronha, foi ordenado que lhe retirassem as algemas. Com apenas um aviso: Que não demorasse a organizar a expedição, pois só ele sabia o caminho. Surpresa quase maior aconteceu alguns dias depois, quando o próprio governador lhe apertou aos mãos dizendo: Esquece teu passado de escravo, agora tem a patente de capitão de Milícias.


Assim que a corneta ordenou com seu grito estridente, partiram no dia 3 de agosto de 1794, mais de dois mil homens sob o comando do Coronel de Regimento e Linha, Anacleto Henrique Franco. A expedição saiu de São Luí em direção ao Axuí, tendo Nicolau sempre à frente, indicando caminhos, apontando direções e corrigindo as imperfeições.

Caminharam por todo o dia, até que Nicolau se aproximando do coronel Anacleto, lhe confidenciou ao pé do ouvido que uma dor de barriga estava lhe fazendo perder o juízo, com aqueles suor pegajoso e frio

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– Coronel é melhor a tropa se dirigir um pouco mais para frente, onde possa montar acampamento. Enquanto isso, me alivio por aqui mesmo no mato. Logo ali em frente tem um riacho.


– Já é hora mesmo de descanso. Há tempo não ando tanto comandando um batalhão deste tamanho – Aceitou o coronel. Em seguida, ordenou que os homens seguissem até o riacho para matar a sede.

“É agora ou nunca!” – Pensou Nicolau ao ver a tropa se distanciando um pouco, obedecendo ao seu pedido. Só após observar os soldados retirando as armas dos ombros e as pesadas e molhadas botas dos pés, após um dia de caminhada, embrenhou-se na mata. Viu a lua crescida lá no alto e relembrou do primeiro dia em que esteve preso na capital São Luís. Benzeu-se e saiu correndo cada vez mais para dentro da mata, e as folhagens tem um cheiro indescritível de liberdade, e nunca mais fora visto.
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*Dedicado a Jomar Moraes, que com o seu Guia de São Luís, despertou e alimentou minha paixão pelas histórias da ilha.

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