Era uma quinta-feira morna, quando o caminhão atravessou a ponte e o palhaço se mostrou. Desceu com seus sapatos enormes, suspensório, calça colorida, bola vermelha no nariz, e a farta cabeleira multicolor, para anunciar: Está chegando em sua cidade, o cirrrrrrrrrrrrcooooooooooo Alakazam!

As crianças acompanharam toda a montagem da empanada, das tábuas que eram a arquibancada, das cordas nas alturas, trapézios e trampolins. Então, veio o momento mais esperado: a jaula coberta de preto, onde um leão magro dormia. Não puderam vê-lo, mas ouviram o seu rugido curto, como se fosse um soluço.

Nunca na cidade tantos gatos desapareceram. Eram trocados por ingressos, e depois eram destroçados pelo leão faminto. Mais esfomeado que ele, só O Capeta. Homem corpulento, que comia vidro, descascava coco com o pé, e ordenava que quebrassem com marretadas uma pedra em seu peito. E em dias alternadas, desafiava os homens da cidade para uma luta, sem regra nenhuma, exceto uma: Não se podia xingar as mães.

Foi ao ver o valor tão alto estampado num cartaz, caso alguém vencesse O Capeta, que Onorino Atrasado, animou-se. Trabalhava na Casa dos Envios e Recebimentos S/A, desde que seu padrinho inventara de fundar uma ali, assegurando que sem cartas e encomendas, uma cidade não poderia se desenvolver.

– Mas Onorino, tu homem pacato, de trato com selos e carimbos, vai enfrentar um bicho desses? Ele come vidro, como se fosse manga, meu filho! – Alertou-lhe Dona Arcângela, com seus 102 anos no vão da janela.
– Pois é por isso mesmo. Vou selar um golpe no queijo, e carimbar um sopapo no pé do ouvido.

No dia da luta, Onorino sonhou que vencia do jeitinho que havia planejado. Á noite, O Capeta sorriu ao vê-lo tão franzino, comendo algodão doce e olhando para o teto, feito criança. Para amedrontá-lo, comeu metade de uma garrafa, descascou quatro cocos e pediu que trouxessem aquela pedra enorme para ser quebrada sobre o peito. Ordenou que batessem forte, e assim fui cumprido. Foi na segunda marretada, que a parte de ferro pesada e quadrada despregou-se do cabo de madeira, e voou indo em direção a Onorino. Encontrou-lhe limpando as mãos grudentas do algodão doce, exatamente nas têmporas.

Nessa mesma madrugada, o circo desapareceu da cidade com medo dos desdobramento do incidente. Onorino acordaria dois meses depois. Antes de abrir os olhos, abriu um sorriso e disse para espanto dos médicos e enfermeiros:
– Eu não disse que vencia?
– Mas não teve luta, Onorino. A marreta lhe acertou em cheio, e dê graças a Deus que esteja vivo.
– Vocês são do circo, né? Para não admitir que eu venci. Sejam homens de verdade, digam nas próximas cidades que eu, Onorino dos Anjos e Silva, mandei O Capeta para os infernos, onde não tem CEP.

Mesmo voltando a trabalhar no mesmo lugar, todo mundo sabia que ele havia perdido o juízo, decorrente daquele baque na cabeça. Bastava alguém ir receber uma carta, que ele lembrava sorridente e esperançoso:
– Não esqueça me dizer, se alguma delas está falando da minha vitória, viu? – E ajeitava os óculos, anotando a entrega no seu caderno de folhas amarelas.

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