– Vó para que a senhora quer tanta garrafa vazia? – Perguntei ao vê-la entrando com aquele saco de estopa nos ombros, de onde escapavam o tilintar das garrafas se batendo umas contra as outras. Suas canelas eram finas como as mãos e eu duvidava como vovó podia caminhar tanto e tão longe.


Ela se sentou, pediu um pouco de água, pôs o saco no chão e espiando pela janela, disse o que não entendi.


– É para o tempo das secas. Veja como as nuvens estão se avermelhando. O céu logo, logo, vai rasgar.


Corri para fora, mas nada vi do que ela me disse. Voltei fingindo entendimentos, enquanto ela colocava nossos pratos, a cuia de farinha e o caldeirão de fundo escuro sobre a mesa para almoçarmos. Depois dormi um sono de quase não acordar, e quando me levantei, parecia que já era o outro dia, mas o sol se pondo me desmentiu. Vovó espiava o céu, distraída no meio do quintal. Assim que me viu, voltou a dizer o que já havia dito.


Quando a madrugada chegou e os primeiros relâmpagos escorreram pelo telhado da nossa casa, ela saltou da rede. Pôs o lençol sobre os ombros, e rumou para o quintal. De longe a vi se acocorar e foi enchendo as garrafas, uma por uma, com aquelas areias escuras. De tempo em tempo entrava na cozinha deixando as cheias, até que já com a chuva forte, encheu a última e entrou molhada, tossindo.


– Veja – Disse levantando uma garrafa diante da lamparina. Eu mesmo com sono fingia estar atenta – Aqui está a umidade do mundo. Logo, logo tudo estará seco, esta foi a última chuva grande. Os sapos emudecerão e arco-íris empalidecerá. assim como o capim. Quando chegar esse tempo, derrame todas as garrafas no lugar de onde foram tiradas.

Quando envelheci, vendo as mulheres e os homens partindo para longe, outros fazendo penitências e as roças germinando a fome diante da seca que se abateu sobre este lugar, peguei as garrafas e as derramei no meio do quintal. Logo, um redemoinho se levantou e saiu caminhando, feito gente por entre as árvores. Milhares de borboletinhas começaram a cair ao meu redor, em seguida sobre os meus pés. Muitas e tantas, que já não podia mais ver o chão. Então, formou-se um temporal que durou um ano, dois meses e seis dias. Hoje enfim, cessou. 


A manhã está clara, sem nenhuma nuvem no céu. Apenas as borboletinhas ainda caem, mas já mudaram de cor. Sinal que logo, logo, elas também pararão de chover. Assim me disse vovó, quase sem fôlego, na noite em que brincou de ir embora, e não teve forças para voltar.

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