UMA VELA
No dia de finados, no cemitério de Pinheiro, havia um sol para cada pessoa ainda viva. Aquele mormaço de quase meio dia, capaz de espantar até os urubus do céu. Enlutados, eles estavam ali, mariscando na grama verde sob as árvores da praça, feito vacas.
Uma senhora de cabelos brancos entrou apoiada no braço do esposo. Andavam vagarosamente por entre as sepulturas à procura de um parente dela, tão antigo quanto perdido, morrido sabe-se lá quando.
Cruzavam para direita, entortavam para esquerda, seguiam em frente, voltavam três passos e com a vela na mão tentavam ler os nomes escritos em letras douradas: Correias, Araújos, Oliveiras, Sobrinhos, Silvas, Nascimentos… Mas nada do parente procurado.
– Coisa triste é envelhecer. Tantas vezes vim nesta sepultura, agora não lembro nem a direção – Confessou a senhora tristonha para o marido.
A tontura beijava suas frontes e o calor de todas as velas sopravam em seus pescoços. Então, de mãos dadas desistiram daquela procura. Ela se dirigiu para a sepultura mais próxima e acendeu a vela que trazia:
– Mundiquinho, tu viu nosso esforço sob esse sol sem piedade. Se tu está precisando de luz, te esforça também um pouquinho. Sei que tu vai dar um jeito de encontrar esta vela que trouxemos pra ti.
Voltou a se apoiar no braço do esposo e rumaram para o portão da frente. Na calçada, uma senhora se abanava com as mãos, enquanto gritava o preço de fósforos e flores de plástico. Um bêbado ao seu lado apontava para a fachada da entrada e reclamava:
– Descanse é com S, e não C como escreveram ali. Oh povo burro! Onde já se viu isso: “Descance” em paz? Uns morrem de morte morrida, e a gente morre de vergonha, ainda vivo – Mas ninguém lhe dava atenção e pediam silêncio em respeito aos mortos.