Quando atravessou o povoado, montado num burrico, lembrou-se da frase de Santo Agostinho “A fé e a razão caminham juntas, mas a fé vai mais longe”. Ora, era justamente este ir mais longe que o fizera atravessar a baía de São Marcos, naquele barco tão frágil e de tábuas rangendo, até atracar no Itaúna , para enfim pisar o solo da Baixada.

Nascera e vivera ali, na capital do Estado. Formara-se no Seminário de Santo Antônio, e assim que se ordenou desejou conhecer o interior do Maranhão. Sem muito pensar, a Baixada, região dos avós e pais, lhe pareceu mais acertada. Por lá encontraria a sua missão junto aos mais pobres e necessitados, um Cristo que lhe parecia mais vivo.

Rodeado de crianças e fiéis que vieram lhe receber, admirou os babaçuais, as casinhas todas de palha e a igrejinha simples quase engolida pelo verde da mata. Os abençoou e beijou a medalha que trazia no peito, presente de Frei Ricardo Sepulcro. Em seguida, se dirigiu para a casa onde ficaria nesses dias de desobriga.

Acordara no meio da tarde pelo canto de uma rolinha fogo-pagô no galho do tamarineiro. Mergulhou as mãos na bacia d´água e lavou o rosto. Ansioso, mal podia esperar, pois no fim da tarde celebraria a primeira missa naquele lugar. Teve dúvida se a sua pouca idade transpiraria todo o fervor cristão que o movia.

Chegou antes de todo mundo e logo as cadeiras e bancos estavam cheios de gente.Foi na hora da comunhão, quando ergueu a vista que aqueles olhos à sua frente lhe atravessaram, feito flechas certeiras . Nunca e em tempo algum, sentira tamanha provação. São Sebastião tão perseguido por Diocleciano, amarrado e flechado, era como se sentia naquele momento. Abaixou a vista, e isto, se repetiu em todas a missas.

Até que numa madrugada, aquela mulher lhe batera à porta. Nas outras vezes, era ele quem cometia o pecado de lhe bater à porta. Ficara viúva muito nova, e nunca havia caído em tentação, por mais que todos os homens jurassem um casamento melhor do que aquele que havia tido. Jurara, até aquele dia, que o seu corpo seria de um homem só. E ele exemplo de fé e castidade durante toda a sua vida no seminário, não tinha forças para resistir.

Será este o gosto amargo do pecado? Como eu posso ser um exemplo de Cristo, tão tentado no deserto, se não resisti nem aos instintos mais mundanos da carne? – Se perguntava, fazendo o caminho de volta para a casa, escondido nas sombras das mangueiras do povoado.

Ela saciada, levantava-se da cama, bebia um pouco de água do pote e soprava a lamparina acessa sobre a mesa, e a casa mergulhava em completa escuridão. Sentia o cheiro daquele homem, transpirando em seu corpo. Pecador e santo, suor e alma, amor e amém. Depois, abria a janela do quintal e sentia a sua cabeça se despregando do resto do corpo. Ganhava altura e incendiada, já como curacanga, atravessava os campos da Baixada, assustando os pescadores.Voltava quase ao amanhecer, e reencontrando o corpo imóvel, tornava-se novamente completa. Dormia até mais tarde, suspirando as lembranças da noite passada.

De joelhos, ele amanhecia. Rezava o seu terço, pedindo perdão por mais uma noite de fraqueza, sentindo-se o mais pecador dos pecadores. Mas bastava vê-la, que tudo se confundia, e em silêncio sentia as flechas lhe atravessando, como se fosse a primeira vez na fila da comunhão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *