Assim que nasceu, se pôs em pé. Depois que aprendeu a correr, nunca mais parou. Não havia distância que lhe fosse grande, tudo era ali ou logo ali. A qualquer hora e para qualquer lugar, Cipriano saía em disparada feito bicho em galope.

O avô vendo que o neto não se aquietava, sempre em corrida de não acabar, disse que tem gente que nasce assim: Meio gente, meio bicho, feito de metades.

– Esse pequeno nasceu com pressa de cavalo, só não relincha porque é gente! – Sentenciou num fim de tarde alaranjado, sentado na porta. A filha ao lado, achando estranhando aquela ideia, indagou:

– E o senhor o conheceu alguém assim, papai?

– Sim, muitas! Mas não com essa pressa de Cipriano, pessoas com outras metades.  Entende?

E relembrou do velho Celestino Pássaro que jamais disse uma palavra. Da sua boca saíam apenas os assobios. Entendia tudo o que as pessoas diziam, mas quase nunca era entendido. Aprendera usar as mãos, fazendo gestos, para ajudar nas frases que tentava. Morreu como um passarinho, assobiando. Fechou os olhos e foi enfraquecendo seu canto. Até que voou para para dentro do azul do céu.

Num tempo em que um animal era caro, poucas famílias podiam ter uma besta, jumento ou cavalo. As notícias não chegavam, demoravam-se nas estradas ou se perdiam pelos atalhos dos matos. Assim, Cipriano cresceu, foi transformado e se transformou em “trazedor das notícias”. O homem que sabe dizer, o que precisa ser dito – Diziam.

Foi ele que varou a porta da casa de Nhá Zira, numa madrugada, e lhe disse que o filho havia morrido em uma briga por causa de mulher, há poucos instantes no barracão de festa. Acompanhou a pobre mãe até a triste cena, onde a faca ainda rebrilhava num lado do corpo e a segurou pelos braços quando ela ensaiou o desmaio.

E quando um redemoinho retorceu as águas do rio? Como a noite era escura, nenhum pescador sentiu o perigo. Foi ele que sem sono, acocorou-se na beira do rio e viu o vento girando ao contrário e ganhando altura. Saiu correndo em disparada avisando que deixassem as canoas e procurassem terra firme. Pela manhã puderam contar o estrago: Nenhum morto, mas todas canoas estavam quebradas ao meio, e nenhum remo foi encontrado. Uma semana depois, um baque estranho foi ouvido sobre as palhas da casa de um pescador, era o primeiro dos remos que cairiam do céu durante todo o resto daquele dia.

No dia que Ernestino Manguaça escapuliu do pau de sebo, no festejo do padroeiro, foi Cipriano que o acudindo já no chão. Bastou observar os olhos do homem, olhando sem ver e a boca dizendo sem dizer, que decretou: Aluou. Ernestino desde cedo que observava os concorrentes deslizando frustrados, então se levantou e assegurou que por ser o último, o prêmio era dele. Espiou o pau de sebo, cochichou consigo mesmo e retirou do bolso um saco com alguma coisa que passou na mão, e pôs-se a subir. Lá em cima, já via as notas de dinheiro amarradas, que era o prêmio, mas agoniou-se e trocou de mão na ânsia de pegá-las. Despencou e voou pelos ares, feito um urubu de asa quebrada. Ao acordar da queda, enfiou a mão no bolso e sentiu tudo grudado do leite de jaca que havia passado nas mãos.

Quando a velhice chegou, começou por baixo.  Foi subindo, como frieza pelos pés de Cipriano e cansando as pernas que resmungavam qualquer distância. Ele não se entregou, foi até a cidade e voltou para o povoado empurrando uma bicicleta. Entre os raios enfiou moedas, e a batizou: Carmelita.  Aprendeu quando já pensava em desistir. Voltou a percorrer as distâncias, mas nunca fazia as curvas montado. Parava, descia e virava a bicicleta. Depois seguia em linha reta, até a próxima curva.

– Isto lá é coisa pra se confiar em curva? – Respondia se alguém lhe perguntava sobre aquele medo, e saía pedalando, achando o mundo cada vez mais curto.

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Cipriano viveu em uma cidade da Baixada, e jamais fez uma curva montado na bicicleta.

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