A chuva já havia passado, mas as ruas ainda estavam cheias de poças d´água, refletindo os telhados e janelas dos sobrados da rua do Alecrim, quando Mãe Leocádia se levantou por aqueles chamamentos insistentes na porta da rua.

– Eita, povo mal educado, meu Deus. Nem o sono desta pobre velha respeitam. Pensam que a gente dorme a hora que quer. Sono de velho é cochilo, e se incomoda até com cantiga de grilo – Murmurou, segurando-se na beira da rede. Tateou as paredes atravessou o corredor, e ainda bocejava, quando abriu a porta. Lá fora, uma senhora com olhos chorados, engulhava os silêncios e gaguejava palavras, sem dizer coisa com coisa.

-Entre, minha filha, e se acalme. Marido não é parente.

A senhora baixa, com os seios a lhe saltarem do decote do vestido, sentiu-se até mais reconfortada, pois sem dizer nada, Mãe Leocádia já sabia do seu problema. Sentaram-se à mesa, e vendo que a filha já havia acordado, pediu que ela fizesse um café bem forte.

– Mãe Leocádia, eu não sei mais o que faço. Este homem que me casei, não se contenta só comigo. É pior que bicho no cio. E o que mais me tenho raiva, é que é feio que dói, não sei o que vi naquele traste.

– Minha filha, todo mundo passa por isso. Eu também quando nova, me apaixonei por um que nem cachorro latia pra ele, com medo. Nenhuma formosura, mesmo na lonjura. Vamos só acabar de tomar este café e passear ali pela Fonte do Ribeirão – E assim fizeram. A mulher só estranhou que subiram em direção a rua da Cruz, e depois desceram a rua dos Afogados para chegara à Fonte. Mas ao perguntar para Mãe Leocádia, o porquê de não subirem pela rua do Ribeirão que era mais perto, aprendeu:

– Por isso que as pessoas morrem cedo, minha filha. A morte já sabe que caminho a pessoa vai seguir, e atalha lá na frente. O que me custa ir enrolando a danada, né? – E durante o longo passeio, pôs-se a ouvir aquela mulher tão sofrida. Conversa comprida, dessas que começam desde a primeira vez em que se viram. De volta, já na porta de casa, a mulher já não era a mesma. Parecia renascida de sim mesma, e agradecendo entregou umas cédulas de dinheiro enroladas, nas mãos de Mãe Leocádia. A velha agradeceu, se despediram, e ao limpar os pés no tapete da sala, viu um velho poeta amigo afundado na cadeira de macarrão.

– Bom dia, minha Mãe. Estava passeando?

– E não é, meu filho? O amor ainda maltrata muita gente. A única coisa que posso fazer é ouvir, porque não tem cura pra isso. É doidice na cabeça da gente, desde que o mundo é mundo. Mas até que gosto, ruim mesmo é andar por estas ruas da ilha, cada dia mais quentes – E se jogou na cadeira, pedindo que a filha lhe trouxesse um copo de água – E como vão as poesias, nesta cabeça abençoada?

Gostava de recebe-lo ali, pois em todas as vezes que o poeta aparecia, ele retirava uns pedaços de papel do bolso e se punha a ler os novos escritos. E por mais que ela desse longas cochiladas, ao ouvi-lo, ele nunca reclamava. E assim aconteceu, bastou ele se levantar que um sono, vindo junto com a brisa do mar, se abancou ao lado dela. Mas ainda teve de ouvi-lo começar dizendo:

– Ao avistá-la pela primeira vez pensei: Que pedaço de mau caminho. Mas com o tempo, vivendo lado a lado, amanhecendo e anoitecendo, com o cheiro de um no outro, me corrigi: Pedaço de meu caminho!

Mãe Leocádia cochilava e ouvia as palavras do poeta cada vez mais distante, já por dentro dos sonhos. Lá fora, o mormaço crescia pelas ruas de São Luís, e as sombras começavam a mudar de calçada, e crescer feito plantas, pelas paredes.

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